Poema amargo e sem nexo

Anita Regina Lis
4 min readJul 25, 2022

se não haverá mais idas e vindas
depois disso, o que temos então?
afinal de contas, pra quê?
se continuo sem tua mão
nem parte alguma tua
nem ao menos teu coração
(desculpa. eu fico brega quando sofro)

não sei se choro
se grito
não sei parar
me repito
não tenho culpa.
ninguém tem culpa, afinal
é que é da vida
eu não sou boa com contingências
não sou boa com finais
e a gente nem bem começou
e parece que há tanto tempo que estamos

lembra que fui e voltei?
não eram coisas banais
fiquei confusa. ainda estou.
você não entendeu
não sei quando confiar:
ou cedo demais
ou tarde, muito tarde
e você, quando volta?

queria ter a chave da tua porta
te dar a minha [chaves também]

fiquei quieta
esperei passar
o som do silêncio me violentou
falei
falei demais
falei. mas não o suficiente pra tirar o fel
falei de novo. de novo e demais. e acho que não me arrependo.
queria era dizer-te do meu indizível. é real. incompossível.

procuro um livro
vejo um filme
faço um chá
a cabeça não para
o filme conta uma história tão parecida
o chá não dá barato
e eu continuo absurdamente lúcida!
à beira!
sinto porque sinto!
sempre sinto.
muito.
eu sinto muito!

isso de mim é brusco e não sei o que pensar.
não sei como fazer. se delicada. se de rompante.
não era assim que a gente acabaria! (e em mim não acabou…)
quero outro final!
mas antes quero outro começo. outro igual, mas diferente.
e quero um meio muito muito longo
e quero bocas
e línguas
e seios
gemidos
e palavras entrecortadas
por teu membro
nos meus meios

primeiro foi você — hesitei
depois eu quis — (des)encontramos
dessa vez parecia um nós — desatamos

em mim, tudo pulsando
tentei me esconder (de mim)
escrevi um poema de 5 páginas
descrevi tuas qualidades. tudo que em mim arde você
escrevi. e ainda não sei se pra te adorar ou pra te ofender.
talvez apenas pra me defender. (da tua falta)
depois escrevi outro. bem longo. lamentando a ausência
e a tua complacência
e escrevi isso agora, que já nem sei dizer o que é

eu sei que não devia ter escrito
não, não os poemas
não devia ter escrito aquelas bobagens pra você
eu devia apenas ser: acabou. fim. e ponto final.
mas não sou dessas!
sou daquelas que ficam sem entender
é que esse corte definitivo precisa ser rente ao peito
lá mesmo, no exato lugar onde te guardei. e tenho medo.

fazer isso sangra. e vai sangrar muito ainda, amor.

não sei como tirar você daqui sem ferir
(socorro, alguém, por favor! alguém sabe como arrancar alguém do coração?
de preferência de um jeito menos cafona que o meu?)

na hora do banho, fiquei escorrendo pensamentos
por que entre nós tudo pelo ralo?
de novo e outra vez? sempre?
haverá outra chance? (tomara que sim)

memento mori
memento vivere

depois, orgulho é pra quem tem
o meu esqueci naquela cama de motel
guardei a latinha. os ingressos. simbolizei cada pequena lembrança.
o isqueiro, há tempos parei de usar. já quase não tem fogo. de tanto tempo que você foi. que droga!
trouxe aquela ponta. porque ela ainda tinha boca tua. eu queria queimar. mas era o último vestígio teu comigo. guardei.
e reticências…
eu quero reticências…
e reentrâncias. das minhas mãos… te fazendo carinho…
nessa tua cabeça que pensa coisas e mais coisas que não são sobre mim.

uma sombra paira e eu caminho.
não posso expressar. então escrevo. uso poesia pra dizer sem dizer.
pra registrar que esqueço sempre tanta coisa
mas fico remoendo o que me faz dor
aqui, construindo um mausoléu dessas coisas miúdas tuas
cada palavra. cada gesto. a voz. o toque. o colo de fumar.
do desejo teu eu guardo o gosto.

algo em mim grita. me calo.
guardo um segredo do segredo teu.
guardo em mim sentires que já nada esperam
como uma pedra, que imersa na água, só sabe pesar
permaneço imóvel. enquanto avalanches levam ruínas de mim

mas é que cada música do dia fez teu rosto dançar na minha frente
teu sorriso flutuou no meu caderno.
a rua que eu andei com você nem ouso mais passar
pra onde quer que eu olhe, penso
não quero mais pensar
não quero mais penar
não quero mais.

agora é isso todo dia. ausência. falta. de sonho. de calor e cor. de você.
e sem horizonte eu decidi:
vou chorar abraçada a qualquer um!
só pra te afrontar
pra fazer de conta que te esqueci
pra fazer de conta que teu abraço não me é especial
pra fazer de conta que não lembro da textura da tua boca
(e a do teu sexo)
e nem do teu cheiro que ficou por dias no meu cabelo

vou apagar teu telefone
vou apagar teu nome
fazer uma lavagem cerebral
ao melhor estilo “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”
mas não quero esquecer você.
só que pare de doer.

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Anita Regina Lis

se eu sinto, escrevo. e sobre isso, quase não há mistério.