Sobre o meu feminino ganhando cores…

Anita Regina Lis
3 min readFeb 20, 2023

tudo que parecia certo e acabado não era bem assim, afinal.
tenho questionado minhas certezas, minhas formas. questionado meus questionamentos. questionado posturas e jeitos rígidos que comportei a vida toda até aqui, sem ter a coragem de colocar à prova, por nem perceber que era assim que eu fazia.

estudar sobre o deslocamento do feminino (que consequentemente faz deslocar o masculino), tem me dado elementos de teoria pra o que vivo há muito tempo no cotidiano.

não sei bem se eu sei me relacionar bem. mas a maneira que eu aceito e consigo me relacionar hoje só é possível se for dentro de uma igualdade. nas mínimas coisas. não aceito ficar numa condição de poder menos que um homem. não aceito ter direitos violados por um homem. não aceito ter liberdade roubada por nenhum homem. tenho disponibilidade de dar, mas quero receber em troca. o sentimento até pode ser incondicional e autônomo, a relação não. a relação precisa de troca. de respeito às diferenças. de cumplicidade e igualdade.

venho aprendendo a ser mulher pra mim. aprendendo sobre o meu feminino. a minha forma de ser mulher e ser feminina. longe do estereótipo, quase nada longe da construção (ainda). e hoje entendo que isso desloca. isso é o meu feminino. e isso (te) desloca o masculino. tira do lugar comum de ser o ‘homem’ no entendimento estereotipado que isso tem dentro da sociedade patriarcal. na medida que o meu feminino se faz, teu masculino precisa encontrar também uma forma de existir. existir ao lado. nem acima, nem abaixo. igual, ainda que diferente.

esse estrangeirismo existencial que eu sinto desde que me entendo gente. essa revolta que sinto desde que percebi que o mundo acontece diferente pra “meninos e meninas” tem sido meu combustível. e nesse momento eu vejo uma cor nova nesse caminho de descoberta. pois se o feminismo me deu ferramentas pra me entender um ser humano de direitos no mundo, ‘me tomou’, em contrapartida, o gosto e a graça de ser mulher do jeito que eu era. e desde então, venho buscando encontrar, ou melhor, criar, um gosto e uma graça em ser a mulher que eu tenho me tornado. que não é “nem isso nem aquilo”. meu feminino, que tem ocupado um não-lugar: que não é mais o da feministona e também não é mais o da mulherzinha.

sou uma mulher. não quero ser como um homem. não quero falar como um homem pra precisar ser ouvida. não quero escrever como um homem pra ter meu pensamento considerado. não quero ser comparada com um homem. com sua forma de pensar e sentir. (tampouco quero uma disputa com o meu homem). apenas pleiteio o direito de ser igual dentro da relação. (dentro das relações). nas mínimas coisas. em cada naco de liberdade. em cada milímetro egoico cedido pra que a relação se faça. apenas pleiteio o direito de ser igual dentro da sociedade. dentro da academia. de ter minha voz ouvida. de ter minha escrita respeitada, ainda que ela soe mais ‘poética’ do que os preceitos homem-hétero-branco-cis da academia possam suportar. (e do que podem me dar de suporte pra crescer sendo da forma que eu sou).

o que eu tenho pleiteado é uma forma de existir mulher, num mundo pensado, construído e validado por homens. onde a minha forma de pensar, ser, sentir, existir é sempre comparada e colocada em xeque por ser ameaçadora. por mostrar despudoradamente que nosso poder, o poder do feminino, está para além do que construímos e nos tolhemos pra ter algum espaço. quero dizer, somos muito mais do que a teoria pode dar conta. a relação a dois reflete as relações sociais. e tenho tido cada vez mais certeza que (quase sempre) é justamente naquilo que somos taxadas loucas e emotivas demais, que habita a nossa saúde. habita aquele saber que não sabemos, mas é. a revolta é a resposta quando a opressão é a pergunta.

- “o que quer uma mulher?”

-às vezes, explodir tudo. às vezes, só ser acolhida e compreendida em toda sua complexidade cíclica.

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Anita Regina Lis

se eu sinto, escrevo. e sobre isso, quase não há mistério.